Água é de todosComentários fechados em O desastre da privatização da água em Inglaterra
Causar mau cheiro: os accionistas do sector da água investem menos do que nada
Professor David Hall da Public Services International Research Unit (PSIRU) da Universidade de Greenwich.
Uma nova análise da Universidade de Greenwich revela que, nos 33 anos que se seguiram à privatização, os accionistas das 10 empresas inglesas e galesas de água e esgotos (WASC) investiram menos do que nada do seu próprio dinheiro nas empresas. O capital próprio dos accionistas (capital social e prémios de emissão) das empresas diminuiu de 3,8 milhões de libras em 1990 para 3,4 milhões de libras em 2023 – uma redução de 62% em termos reais.
Água é de todosComentários fechados em Declaração do Movimento Europeu da Água, após o Encontro realizado em Lyon, em 4-6 de Abril de 2024
Água para todos, Água para a Paz. Na sua reunião anual, realizada em Lyon, entre 4 e 6 de Abril, o Movimento Europeu pela Água reafirma a governação pública e democrática deste recurso vital, que deve ser preservado como um bem comum contra qualquer privatização, mercantilização, guerra e apropriação.
Susana MatosComentários fechados em Em todo o mundo, o negócio mortífero da água engarrafada
Apesar das suas consequências para o planeta, apesar da existência de água da torneira segura e barata, o mercado da água engarrafada está em expansão em todo o mundo. É o resultado de uma privatização a longo prazo.
Quem nunca comprou uma garrafa de Evian à pressa, antes de entrar no comboio? Tanto nas estações como nos supermercados, a água de plástico invadiu o nosso quotidiano. Cada francês bebe 135 litros de água engarrafada por ano, ou seja, quase um litro de dois em dois dias. Há menos de um século, os nossos avós consumiam apenas 6 litros por ano.
O planeta inteiro parece estar dominado por esta febre da água: 350 mil milhões de litros são vendidos todos os anos em todo o mundo. Dominado por quatro multinacionais – PepsiCo, Coca-Cola, Nestlé e Danone – o mercado da água engarrafada” cresceu 73% na última década, o que o torna um dos mercados de mais rápido crescimento no mundo”, segundo um relatório da Universidade das Nações Unidas sobre este assunto, publicado em 2023.
E é aí que reside o paradoxo: enquanto a água pode ser distribuída quase gratuitamente pelos serviços públicos, os seres humanos – e os franceses em particular – confiaram a empresas privadas a tarefa de lhes dar acesso a este recurso vital. Como é que isto é possível?
A história começa com os primórdios do termalismo na Europa, entre os séculos XVIII e XIX. De um recurso qualquer, “a água passou a ser um objecto económico, sujeito à apropriação e exploração por actores privados”, aponta o pesquisador Vinicius Andrade Brei em artigo publicado em 2017.
O exemplo de Vittel, nos Vosges, fala por si. Em 1851, o empresário Louis Boulomié comprou todas as nascentes do local, oficialmente para desenvolver a hidroterapia. Desde o início, o seu principal objetivo não era criar uma estância termal, mas sim vender água engarrafada”, explica Vitellois Bernard Schmidt. O spa foi desenvolvido como uma montra para promover a água mineral. Foi graças à imagem médica da água que a Vittel conseguiu vender as suas garrafas.
Mas até ao final dos anos 50, “a água mineral permaneceu um produto de luxo”, explica Brei. Foi nessa altura que algumas empresas à procura de novos horizontes detectaram o potencial.
150 a 1.000 vezes mais cara do que a água da torneira
De acordo com os investigadores norte-americanos Daniel Jaffee e Soren Newman, “a água engarrafada representa uma forma mais fácil e mais rentável de mercantilização da água”, escreveram num estudo de 2013. A água pode ser extraída na fonte sem infra-estruturas maciças ou pode ser retirada de fontes municipais e reprocessada”.
Graças às embalagens de plástico, pode ser distribuída de forma alargada e rápida. E ainda por cima, a regulamentação – ambiental ou sanitária – não é geralmente muito restritiva.
Em suma, havia dinheiro a ganhar neste mercado emergente – as empresas de água engarrafada vendem atualmente os seus produtos por 150 a 1000 vezes mais do que a mesma unidade de água da torneira municipal. Tudo o que faltava era convencer os consumidores a afastarem-se da torneira.
“Medicalizar a sede”
Num artigo publicado em 2017, a investigadora australiana Gay Hawkins decifra os factores que permitiram às empresas multinacionais de minerais conquistar os seus copos. O primeiro ponto de viragem ocorreu nos anos 70, quando a investigação científica desportiva demonstrou a importância da hidratação para os atletas.
Estes estudos tiveram o efeito de “medicalizar a sede”, observa. Estes novos conhecimentos foram publicados em revistas de fitness, que incentivavam os corredores e os frequentadores de ginásios a mudar os seus hábitos de consumo, controlando constantemente a ingestão de água. Era preciso beber muito e com frequência, pelo que era preciso andar sempre com a água. As empresas alimentares aproveitaram este argumento de marketing.
Na sequência deste facto, as marcas desenvolveram uma multiplicidade de estratégias publicitárias, que variam consoante o público e a época. Em França, por exemplo, havia garrafas de Évian baby, destinadas aos bebés e às suas mães, Contrex, um parceiro de emagrecimento, e Volvic, com o seu “poder de vulcão” para os mais desportivos.
Acima de tudo, todas as empresas usaram – e abusaram – dos argumentos da “pureza” e da “naturalidade”, “o que teve o efeito de enfraquecer implicitamente a água da torneira, fazendo-a parecer inferior ou levantando dúvidas ou incertezas sobre a sua verdadeira origem e segurança”, observa Gay Hawkins.
Uma promessa de pureza raramente cumprida
É evidente que, para aumentarem os seus lucros, as marcas de água engarrafada denegriram insidiosamente – e de forma despreocupada – as redes públicas de água. Tanto assim que, em França, a Cristaline foi condenada em 2015 por uma campanha publicitária agressiva contra a água da torneira, comparada à água da casa de banho, e com mensagens como “Quem afirma que a água da torneira sabe sempre bem não a deve beber muitas vezes!”
Um escândalo, sobretudo porque a promessa de “pureza” muitas vezes não é cumprida. As recentes revelações – sobre a presença de microplásticos na água engarrafada e o tratamento ilícito efectuado por algumas marcas – serviram para lembrar que a água engarrafada não é uma panaceia.
O relatório 2023 da Universidade das Nações Unidas enumera uma série de factores que podem “afetar negativamente a qualidade da água engarrafada”: “Os processos de tratamento, como a cloração, a desinfeção por ultravioletas, a ozonização e a osmose inversa, as condições de armazenamento e os materiais de embalagem podem ter um impacto potencialmente negativo na qualidade da água engarrafada”, afirma. Metais pesados, benzeno, pesticidas, microplásticos, bactérias, vírus, fungos: estas são apenas algumas das substâncias que já se encontram nas nossas garrafas, reputadas como “intactas” e “naturais”.
“A expansão dos mercados de água engarrafada está a atrasar o progresso no sentido do acesso universal à água potável”.
Apesar das provas científicas, os estragos já foram feitos, sobretudo nos países de baixos rendimentos, onde o mercado está a crescer exponencialmente – os dez países que mais consomem água engarrafada incluem o Brasil, a China, a Índia, a Indonésia, o México e a Tailândia.
“Nos países do Sul, as vendas de água engarrafada são principalmente estimuladas pela falta ou ausência de um abastecimento público de água fiável”, salienta o relatório da ONU, acrescentando: “A expansão dos mercados de água engarrafada está a atrasar o progresso no sentido do acesso universal à água potável, desviando a atenção e os recursos do desenvolvimento acelerado dos sistemas públicos de abastecimento de água”.
Estima-se que menos de metade do que o mundo paga todos os anos pela água engarrafada seria suficiente para garantir o acesso à água da torneira a centenas de milhões de pessoas que dela carecem. Em 2024, dois mil milhões de pessoas continuarão a não ter acesso a água potável.
Para os investigadores Alasdair Cohen e Isha Ray, “a mercantilização parcial do abastecimento de água potável pode produzir uma dinâmica semelhante à da privatização dos cuidados de saúde e da educação em muitos países de baixo e médio rendimento”, explicam num artigo publicado em 2018. A baixa qualidade dos serviços públicos e as baixas expectativas do público levam até os mais pobres a procurar serviços privados de qualidade incerta”.
Por outras palavras: as empresas multinacionais da água, ao assumirem o controlo das nascentes nos países do Sul e ao comercializarem os seus produtos plastificados por todo o lado, apresentam-se como uma “solução” para o problema do acesso à água potável. Mas uma falsa solução. Porque os seus frascos e saquetas continuam a ser relativamente caros. E a poluição plástica gerada por este enorme mercado está a destruir progressivamente os ecossistemas e a afectar a saúde das pessoas.
Segundo a Universidade das Nações Unidas, “o mundo gera atualmente cerca de 600 mil milhões de garrafas de plástico, o que representa aproximadamente 25 milhões de toneladas de resíduos plásticos”. São quase 2.900 toneladas deitadas fora a cada hora, que acabam em aterros sanitários… ou no ambiente.
Susana MatosComentários fechados em Dia Mundial da Água 2024: que seca é esta, amigos?
Luísa Tovar
Jornal Avante!
Os serviços públicos de monitorização e gestão da água foram reduzidos ao mínimo. Esta é uma «seca política»
Falta água no Alentejo e no Algarve.
Estas regiões têm menos precipitação e é muito mais variável que noutras zonas do País; sendo mais quentes, são mais longos os períodos em que a evaporação potencial supera a precipitação e, portanto, o pouco que chove nesses períodos evapora-se logo sem repor as reservas. Além disso, como em todo o Interior de Portugal, o escoamento depende muito das afluências de Espanha que, de facto, pouco mais são que os caudais de cheias excepcionais que os espanhóis não conseguem segurar.
Por isso era necessário o Alqueva. Após a sua entrada em funcionamento, o sul do País dispõe de capacidade de armazenamento superficial e subterrâneo muito excepcional em Portugal, que deveria permitir atravessar sem problemas períodos relativamente longos de seca meteorológica.
Os reservatórios são essenciais para redistribuir a água dos períodos húmidos pelos períodos secos, colmatar as «faltas de água» decorrentes das variações sazonais ou de secas meteorológicas. Mas não a fabricam. As extracções têm de ser significativamente inferiores à recarga natural anual mediana (que é significativamente inferior à média).
Mas as extracções de água no Alentejo e no Algarve têm vindo a crescer brutalmente sobretudo nos últimos 15 anos, sem olhar a esse limite.
Em 2022 a EDIA forneceu 495 594 795 m3 de água para rega e mais 9 691 651 m3 a empresas do Grupo Águas de Portugali.
A água fornecida pelo Alqueva para rega aumentou 33% entre 2021 e 2022, embora a área regada só tenha crescido 4% nesse ano. Considerando só os regantes directos, que usam 76 % da água total fornecida, entre 2018 e 2022 aumentaram o consumo em 82%. Desde 2016 verifica-se a concentração fundiária, tendo dobrado a área inscrita e diminuído o número de beneficiários. Em 2022, 75,5% da área beneficiada foram propriedades com mais de 50 hectares, predominando as monoculturas intensivas de olival e frutos secos regadosii.
Proliferam as culturas intensivas mais exigentes em água. São classificados como Projectos de Interesse Nacional (PIN) extensos campos de golfe. Patrocina-se à Iberdrola uma central produtora de amoníaco e hidrogénio com água de Alqueva.
Os aquíferos estão em níveis baixíssimos. As afluências ao Alqueva diminuem, sobretudo as provenientes de Espanha. A EDIA afirma que atingiu o limite de fornecimento com os clientes actuais.
O déficit tornou-se estrutural
Este é o resultado previsto da política ultra-liberal de mercantilização e venda da água para cuja implementação (e explicitação) foram um marco relevante as Leis 54/2005 e 58/2005, propostas e aprovadas em uníssono pelo PS e todos os partidos à sua direita – que preconizam a privatização do domínio público hídrico e a substituição da administração pública da água pela instalação e nutrição de monopólios, explorados por muito grandes entidades de direito privado e tendencialmente de capital privado.
A barragem do Alqueva fechou as comportas em 2002, mas o contrato de concessão à EDIA aguardou a entrada em vigor dessas leis.
A relação com Espanha tem-se caracterizado não só em convénios prejudiciais para Portugal, como pelo desleixo na monitorização dos caudais entrados e não exigência de cumprimento pela parte espanhola.
O que ainda não entrou no mercado – como os aquíferos subterrâneos – é desleixado deliberadamente até à exaustão. A intervenção do Estado não é nula, mas é arbitrária e opaca, decidida aos mais altos níveis de poder sem a instrução técnica necessária, privilegiando os negócios privados mais rentáveis a curto prazo sobre as utilizações mais necessárias e o interesse público; impondo preços e taxas que inviabilizam usos socialmente muito relevantes.
Os serviços de administração pública, monitorização e gestão da água desapareceram ou foram reduzidos ao mínimo. O INAG, instituição centenária de gestão e planeamento dos recursos hídricos, foi extinto em 2013 e o edifício foi vendido.
O déficit tornou-se estrutural.
Esta é uma «seca política».
É preciso hierarquização de utilizações, licenciamento, fiscalização e monitorização da água. Culturas adequadas ao clima e à ocorrência natural da água. Água gratuita ou muito barata, mas racionada de acordo com a disponibilidade, satisfazendo as necessidades e distribuída com equidade.
Não interessa diabolizar tipologias de uso, mas exigir outra política.
Por exemplo, que o Estado cumpra as atribuições e deveres que lhe acomete a Constituição.
Susana MatosComentários fechados em Defender a água pública, conquista de Abril
Em Portugal, o acesso universal aos serviços públicos de água é, como entre outros, um direito conquistado na Revolução de Abril de 1974. Por vezes esquecemo-nos. Coexistiam antes de 1974, serviços públicos e privados de água, mas uma enorme percentagem da população não tinha acesso aos serviços, não tinha capacidade económica para usufruí-los – nem lhe era reconhecido o direito a eles, nem a responsabilidade do Estado por proporcioná-los. À data, os níveis de atendimento eram sensivelmente os seguintes: Abastecimento de água – 49%; Recolha de águas residuais – 32%; Tratamento de águas residuais – 1%. Estes números são elucidativos do gigantesco atraso que se vivia. Doenças como a cólera conheceram surtos até 1974, e mesmo alguns anos depois.
É com a transformação social desencadeada pela Revolução, com a força criadora do Poder Local Democrático e o esforço das populações, que se transforma radicalmente a situação calamitosa herdada.
Em 1994, as taxas de atendimento atingem já: Abastecimento de água – 84%; Recolha de águas residuais 63%; Tratamento de águas residuais – 32%.
A Constituição da República de 1976 consagra e consolida a provisão dos serviços públicos de água, que se torna uma obrigação do Estado, vedada aos privados, uma competência que se manteve exclusivamente autárquica até 1993.
É já sobre a imposição das teses neoliberais que a situação viria a ser profundamente alterada, visando a transformação da água num negócio, o que significa que terão que ser os consumidores a pagar todos os encargos. Incluem-se aqui também as autarquias locais. E sendo um negócio, tem ainda expressão na forma como são geridos os sistemas, mesmo os de carácter público.
Contudo, a luta persistente, qualificada e forte das populações, trabalhadores do sector, sindicatos, associações – como a Água Pública, partidos políticos de esquerda, nomeadamente do PCP e de “Os Verdes”, tem sido determinante para manter o sector em mãos públicas, quer dos serviços municipais, cujas concessões, hoje nas mãos de capital estrangeiro, consequência indissociável da privatização, estão muito aquém do que ambicionavam os seus mentores (representam 12% das entidades gestoras), quer do grupo Águas de Portugal.
Perante as gravosas consequências da privatização, como é o caso de Fundão e Covilhã, vários municípios retomaram o controlo dos serviços, casos de Mafra – a 1ª autarquia a privatizar, em 1994 -, Fafe, Paredes, Setúbal (decidida pelo PS), Alcanena, existindo outros processos em curso.
Mas as ameaças mantêm-se, e a escassez aguça ainda mais o apetite privado pela água de todos, através da utilização discriminatória dos fundos comunitários, para forçar a agregação dos serviços municipais, com o outsourcing nas empresas da Águas de Portugal, e nos serviços municipais com os contratos de performance, em que as autarquias entregam aos privados as medidas de eficiência hídrica que deviam assumir. Juntam-se no plano europeu, a tentativa de liberalizar os serviços de águas e a pressão para a subida dos custos.
Cinquenta depois do 25 de Abril, importa salientar que o acesso à água e ao saneamento, hoje generalizado, e com elevados níveis de qualidade, foi conseguido com gestão pública e com investimento público: Abastecimento de água – 97%; Recolha e tratamento de águas residuais – 86%. É também por isto que o sector é apetecível. Há problemas, mas a vida demonstra que a solução para os resolver não é privatizar. Isso seria um erro que pagaríamos com mais desigualdades. A água é um bem público, um direito humano fundamental, cuja propriedade, gestão e provisão cabe por inteiro à esfera pública e à deliberação democrática. O que se exige, é construir serviços públicos de qualidade, próximos das populações, dotados dos meios adequados para garantir o acesso universal à água e ao saneamento e assegurar melhores condições de trabalho.
É com água pública que se regam os cravos vermelhos!
O acesso universal à água e ao saneamento na Europa exige um financiamento público adequado.
A revisão das directivas relativas à água potável e ao tratamento de águas residuais urbanas constituem um passo na direcção certa. No entanto, para alcançar o acesso universal à água, são necessários grandes investimentos para ligar os 31 milhões de pessoas na Europa que ainda não têm acesso a água da torneira limpa em casa. A este respeito, a Europa pode aprender com a Índia, onde, em apenas quatro anos e em plena pandemia (entre 2019 e 2023), 96 milhões de agregados familiares (muitos dos quais albergam várias pessoas) foram ligados à água da torneira nas zonas rurais da Índia. Este passo impressionante no sentido de tornar a água um direito humano na realidade e não apenas nas palavras só foi possível porque foi financiado publicamente e gerido localmente pelos próprios municípios, sem a obstrução do sector privado com fins lucrativos.
Os esgotos estão a poluir os rios e os mares da Europa. É necessário financiamento público para evitar danos ambientais ainda maiores.
Mais de 30 anos após a sua criação, a directiva relativa ao tratamento de águas residuais urbanas já devia ter sido revista. O facto de a UE estar a procurar uma maior responsabilização dos poluidores é positivo. Felizmente, o tratamento de águas residuais na Europa é, na sua maioria, propriedade pública. Mas nos casos em que não o é, as consequências têm sido devastadoras para o ambiente. Isto é claramente demonstrado no Reino Unido, onde a privatização da água conduziu a um sistema em que as águas residuais brutas são lançadas no mar e nos rios todos os dias – criando grandes danos ambientais e uma ameaça crescente para a saúde pública.
As melhores privatizações são aquelas que são evitadas.
Em toda a Europa, os movimentos sociais e laborais têm lutado com êxito contra a privatização. Tendo aprendido com as lições internacionais, os cidadãos têm estado muito conscientes dos riscos da privatização (incluindo o aumento dos preços da água e, consequentemente, o aumento da pobreza, a diminuição do investimento e os danos ambientais, enquanto os accionistas continuam a beneficiar) e mobilizaram-se em toda a Europa para a impedir. Encontram-se exemplos locais em quase todos os países europeus. Contra a pressão da Troika, as pessoas organizaram-se para defender a água pública em Portugal, na Grécia, em Itália e na Irlanda. Os exemplos de Atenas e Salónica demonstram os meios inovadores dos movimentos laborais e sociais para lutar com êxito contra a privatização da água, uma e outra vez.
A remunicipalização torna-se mais difícil quando as empresas privadas criaram laços fortes com a comunidade.
A privatização com muitos anos pode ser mais difícil de inverter do que quando a participação do sector privado nos serviços de água é relativamente recente. Por exemplo, em Marselha, as empresas de água conseguiram integrar-se no tecido social (por exemplo, estabelecendo fortes laços com os políticos locais e patrocinando eventos comunitários e desportivos), pelo que a luta pela propriedade pública pode não ser óbvia para a população.
Mas a privatização da água pode ser invertida, mesmo em locais onde isso não parece possível.
A França, anfitriã de uma das maiores multinacionais de água do mundo (Veolia) e, em muitos aspectos, o coração da privatização europeia da água, tornou-se agora a campeã da remunicipalização da água. O caso de Paris em particular, mas também a remunicipalização da água noutras cidades francesas, oferece um vislumbre do potencial transformador da remunicipalização – um meio não só de conseguir preços mais baixos, mas também estruturas de governação mais participativas e democráticas. Normalmente, é mais difícil remunicipalizar a meio do contrato, pelo que a grande maioria das remunicipalizações é efectuada quando os contratos expiram. Contudo, o exemplo de Berlim e os casos de remunicipalização em Portugal mostram que é possível romper contratos e que pode ser financeiramente vantajoso rescindi-los antecipadamente. Mesmo que haja custos de compensação, os custos sociais e económicos da continuação da privatização são muito maiores.
Existe o perigo de os serviços públicos se comportarem como empresas privadas no estrangeiro.
A Alemanha tem mantido a água na posse do sector público e, nos casos em que experimentou a privatização, os movimentos sociais e laborais, juntamente com os políticos locais conseguiram a remunicipalização. No entanto, alguns municípios na Alemanha, recorrendo a lacunas legais, desenvolvem actividades lucrativas no sector da água no estrangeiro, apesar de estarem efectivamente proibidos por lei de o fazer.
As dinâmicas neocoloniais facilitam a privatização da água no estrangeiro.
Durante décadas, a ideia neoliberal de “falhanço do Estado” no Sul Global facilitou o envolvimento do sector privado através de ajuda, empréstimos e comércio. Por exemplo, as agências de ajuda europeias são encorajadas a estabelecer parcerias com empresas privadas, facilitando assim o acesso das empresas privadas. Além disso, as Parcerias de Operadores de Água (WOPs), parcerias entre pares no sector da água e do saneamento, sem fins lucrativos, são, por vezes, utilizadas para facilitar o acesso do sector privado às empresas em países do Sul Global. No entanto, o exemplo da Índia mostra que os países do Sul Global podem fazer rápidos progressos no sentido de alcançar o acesso universal à água da torneira evitando precisamente tanto o envolvimento dos doadores como a privatização, uma vez que os dois estão frequentemente associados.
A apropriação da água assume muitas formas. A luta pela água está a está a entrar em novos e mais intensos terrenos.
A apropriação de água, a expropriação da água pelo capital em detrimento das comunidades locais, intensificar-se-á quanto mais escassa for a água. Trata-se de um círculo vicioso de acumulação de capital. Quanto menos água houver, mais dinheiro se pode ganhar com ela.
Com o aumento das secas e da escassez de água em muitas zonas europeias, as empresas privadas tentarão obter uma parte do bolo (ou da água) sempre que puderem. Seja através de grandes PPP para instalações de dessalinização de água, grandes reservatórios, centrais hidroeléctricas ou rios virgens. Este é um espaço no qual os sindicatos e os movimentos sociais precisam de estar cada vez mais atentos.
A água engarrafada é a mercantilização da água numa forma exacerbada.
A relação é paradoxal: quanto menos o público confia na água da torneira, nomeadamente devido a privatizações falhadas que causaram riscos para a saúde pública, mais dinheiro pode ser feito com o engarrafamento da água. Nos Estados Unidos, os escândalos ligados à privatização da água conduziram a um aumento do consumo de água engarrafada. A água engarrafada está também a aumentar na Europa. A água engarrafada não é apenas uma forma exacerbada de mercantilização da água, mas é também muito mais prejudicial para o ambiente do que beber água da torneira: os resíduos de plástico poluem o mar ou, quando incinerados, o ar; é necessária muita energia para produzir as garrafas; e uns impressionantes 8% de todo o petróleo é utilizado para o plástico. Existe, portanto, uma ligação direta entre a água engarrafada e o extractivismo da água e do petróleo.
A Conferência Mundial da ONU sobre a água, realizada em 2023, é uma plataforma para uma maior comercialização da água.
Quando a ONU reconheceu oficialmente a água como um direito humano em 2010, esse facto foi celebrado como uma grande vitória para os defensores da justiça no domínio da água. No entanto, apesar das perspectivas promissoras, a Conferência Global da ONU deste ano sobre a água provou ser mais uma plataforma para a mercantilização da água. Recorrendo a uma linguagem nova e muitas vezes até progressista, actores influentes utilizaram esta conferência para apresentar uma abordagem fundamentalmente orientada para o mercado para enfrentar os desafios globais da água.
O Comité Económico e Social Europeu (CESE), um órgão consultivo da União Europeia (UE), está a promover uma iniciativa para desenvolver uma abordagem global às políticas europeias da água. Esta proposta pretende materializar-se numa Declaração a entregar à Comissão Europeia, ao Parlamento Europeu e ao Conselho da União Europeia na conferência de alto nível “Apelo a um Pacto Azul” em Outubro de 2023, durante a Presidência Espanhola do Conselho da UE. O objectivo do CESE é que a água seja uma das principais prioridades da próxima Comissão Europeia.
Tendo em conta a relevância desta iniciativa, o Movimento Europeu da Água especifica abaixo a sua posição a este respeito, identificando os principais desafios e as suas propostas de ação relacionadas com a água na UE, tudo para influenciar o processo de desenvolvimento e implementação do Pacto Azul.