José Maria Pós-de-Mina, Consultor
A recente alteração do PENSAARP 2030, a alteração do Regulamento da Ação Climática e Sustentabilidade no âmbito do Portugal 2030 e a alteração dos Estatutos da ERSAR,
contém medidas, que a meu ver, têm sinal contrário e que no fundamental, independentemente de valorização diferenciada que possamos dar a cada um dos atos, representam um passo em frente e dois passos atrás.
Sem colocar em causa as orientações principais do PENSAARP 2030, confirmando que não há diferenças substanciais nesta matéria entre quem tem assumido a responsabilidade governativa nas últimas décadas, a alteração agora publicada vem eliminar a obrigatoriedade de agregação dos municípios para terem acesso a financiamento comunitário, estando no entanto os municípios que se mantenham isolados, sujeitos a uma penalização se não conseguirem comprovar a impossibilidade de agregação.
Esta medida [eliminar a a obrigatoriedade de agregação dos municípios] representa um passo em frente no respeito pela autonomia local (…)
Esta medida [eliminar a obrigatoriedade de agregação dos municípios] representa um passo em frente no respeito pela autonomia local, mas a penalização destes municípios em vez da majoração ou bonificação dos agregados, representa um passo atrás e contém uma visão incorreta na forma de análise dos projetos, privilegiando o sujeito em detrimento do objeto. Podendo admitir-se a existência de diferentes níveis de comparticipação eles deveriam estar associados à qualidade dos projetos apresentados (como por exemplo o seu contributo para atingir objetivos de eficiência hídrica) e não em função do tipo de promotor.
Sempre tenho sustentado que a agregação em baixa não traz economia de escala significativa, ao contrário da mesma modalidade em alta, não justificando por isso que os municípios enquanto entidades gestoras abdiquem da sua capacidade de decisão total em matéria de gestão da água e do saneamento, desde a sensível questão tarifária, às opções em termos de investimento e de afetação de recursos.
Esta visão do governo alinhada com os anteriores, insiste em colocar como questão essencial do setor a questão tarifária, como garantia da sustentabilidade económica e financeira das entidades gestoras (que não está em causa no caso dos municípios), quando a questão prioritária deve ser assegurar a redução de perdas, a eficiência hídrica, a melhoria da organização e da gestão, que seguramente contribuirão para melhorias a nível económico e financeiro.
A política tarifária deve estar a jusante da gestão da água e não a montante. Até porque tem de se respeitar a autonomia dos municípios que livremente devem decidir como afetar os seus recursos no âmbito da definição dos seus instrumentos de política local, onde como é obvio se insere o setor da água, do saneamento e dos resíduos.
Sopesando estes dois passos contraditórios, a eliminação da obrigação da agregação (um passo em frente) e a penalização para quem não o faça (um passo atrás), esta nova situação (alteração do PENSAARP e do Regulamento de Ação Climática e Sustentabilidade) é um avanço que vai permitir, que os municípios possam promover investimentos nas suas redes, aproveitando as verbas já incluídas nos contratos de desenvolvimento territorial celebrados entre as autoridades de gestão dos fundos e as Comunidades Intermunicipais, sendo de salientar o trabalho que está já a ser feito de elaboração de planos municipais de redução de perdas, de elaboração de projetos de remodelação de redes, de preparação de candidaturas, devendo admitir-se a existência de parcerias colaborativas de geometria variável que sem perda de individualidade permitam partilhar e otimizar recursos.
A alteração das atribuições e poderes da ERSAR com a revogação pelo atual governo por decreto-lei, das alterações aprovadas pela Assembleia da República em finais de 2020, representa um significativo passo atrás na afirmação da autonomia dos municípios.
Não pondo em causa o que são as competências legislativas dos diferentes órgãos de soberania, não posso deixar de sublinhar que até agora todas as decisões sobre esta matéria foram tomadas pela Assembleia da República através de lei, e temos agora o governo minoritário a governar por decreto-lei. Mas o fundamental é a natureza das decisões. Recolocar na ERSAR o poder vinculativo na definição das tarifas (estando em linha com aqueles que consideram que o problema principal do setor está no tarifário) é um desrespeito pelo princípio constitucional da autonomia local e já mereceu e bem a contestação da ANMP que sobre o assunto emitiu parecer desfavorável.
A ERSAR, enquanto entidade reguladora, devia assumir perante os municípios uma função de tipo diferente da que resulta da vinculação de decisões, privilegiando o apoio às entidades gestoras de caráter público, a emissão de recomendações, colocando a vertente nas questões da qualidade da água, da qualidade do serviço prestado e não nas questões económicas e financeiras
A ERSAR, enquanto entidade reguladora, devia assumir perante os municípios uma função de tipo diferente da que resulta da vinculação de decisões, privilegiando o apoio às entidades gestoras de caráter público, a emissão de recomendações, colocando a vertente nas questões da qualidade da água, da qualidade do serviço prestado e não nas questões económicas e financeiras.